Testemunho de quem não passa por nada
Nós os homens temos a vida facilitada nisto das gravidezes. Na verdade somos meros observadores daquilo que é o milagre da vida e embora sempre presentes, nunca passamos realmente por nada em primeira mão.
Então a minha experiência começou às 10 da noite depois de um episódio da série de eleição, a mãe começou dizer que durante o dia se sentiu diferente e que agora estava com umas contrações com mais intensidade.. eu não sentia nada tirando alguma vontade de acabar de ver o episódio.
São 11:30 e já estamos a tentar ir para a cama mas a mãe pára a cada 10min por causa de contrações e faz umas caretas. Ainda consegue rir de piadas parvas mas claramente com algum desconforto.. eu sinto sono.
São 1:00 da manhã e as dores começam a ser mais agudas (eu sei porque o som que a mãe faz também é mais agudo..) e decidimos ir para o hospital. A mãe parece um pouco assustada mas muito controlada.. eu estou excitado e proponho tirar umas selfies.
Chegamos às urgências e depois de sermos atendidos a médica diz que a mãe não começou o trabalho de parto e temos de voltar para casa. Ela está confusa e diz "se isto não são as dores do trabalho de parto nem quero imaginar" depois de mandar um "não percebo nada" para o ar.. eu estou tipo koala na árvore a mascar folhas e a contemplar o mundo à minha frente a pensar "sabe lá ela o significado de não perceber nada..".
Voltamos para casa e a mãe vira guerreira. aa contrações ficam muito mais agressivas e dolorosas com intervalos de 7min. A mãe agarra-se aos lençóis, ao colchão, ao meu braço, à minha mão, enrola o punho, trinca a almofada e geme de dores. São 2 da manhã e nesse dia acordámos às 6:30, por isso existe sempre a tentativa de de dormir entre cada ataque mas parece uma tortura do sono, quase que adormece e de repente, pimba! A mãe está em clara agonia.. eu estou tipo treinador de bancada a dizer para respirar, para relaxar entre contrações e a moralizar com tudo o que de positivo possa pensar como se isso fosse influenciar as dores. Estou totalmente fora do filme.
São 7:30 da manhã e a mãe está de rastos porque o filme é igual desde as 2:00. Já esgotei o vocabulário da moralização de bolso e a mãe passou da agonia para o desespero. Está na hora de ir para o hospital e desta vez ficamos, nem que tenhamos de meter algemas nos pulsos à volta de um corrimão.
Ligamos para o sogro para nos dar uma boleia até ao hospital (podia ir eu a guiar mas coitadinho de mim que não dormi nada). A minha sogra aparece com um sorriso enorme à porta de casa e nós nem força na bochecha temos. Naquele momento a mãe é um zombie sem forças e a levar porrada de contrações a cada 6/7min e eu .. sou só um gajo com sono na verdade.
Fazemos a autoestrada em 4 piscas e na faixa de emergência em plena hora de ponta às 8:30 da manhã. Chegamos ao hospital e a primeira coisa é pedir uma cadeira de rodas para a mãe (embora eu esteja muito cansado sou um cavalheiro) e ir de elevador directo para o andar da epidoral!
Quando levam a mãe para longe do meu controlo fiquei um bocado atrapalhado pela primeira vez .. estava claro na minha cabeça que é suposto eu ser a testemunha do processo e assim há coisas que não vejo! Ando à volta à procura da porta onde ela terá entrado e de repente oiço um berro familiar de dentro de um consultório fechado seguido de um "Bem vinda ao trabalho de parto". Estou à porta e devo ter ar de menino perdido porque uma enfermeira vem ter comigo sem eu pedir e antes de ela abrir a boca digo "Sou o marido" e com um sorriso sou recambiado para a sala de espera com um "já o chamamos".
Passados 40min lá me chamam para o quarto onde a mãe está com uma expressão de tranquilidade que parecia que eu não via à anos (mas na verdade era desde ontem). Uma expressão epidural!
Agora começou o dia..
O pai